Ninguém entende o fato de eu não sair na chuva. Dizem que é frescura, que não sou de açúcar, que eu devia parar com isso. O fato é que não é tão simples. Existe uma força maior que controla minhas saídas quando o tempo fecha. E da última vez não foi diferente.
Sábado, pouco antes de eu sair, começa a chover. Fosse qualquer outra circunstância, eu trocaria de roupa, colocaria o pijamão de volta e ligaria o dvd. Mas era o show do Interpol, e eu resolvi ir contra os meus princípios e sair assim mesmo.
Tudo começou na portaria do meu prédio. Peguei a única sombrinha que achei e desci sem conferir. Quando eu abro, noto que está com um lado arrebentado. Mas não tinha outra solução, então lá vamos nós com um dos lados balançando o tempo inteiro. Até então tudo bem, chegava a ser engraçada a situação, até porque estava chovendo pouco, ela estava aberta por pura opção. E eu fui caminhando e cantando rindo daquilo até o ponto do ônibus.
No meio do caminho, a chuva resolve mostrar o que é água. A chuvinha se transformou num toró absurdo, e ainda faltavam uns 4 quarteirões imensos até chegar no ponto de ônibus, além de atravessar a Av. Pedro II, que estava alagada. Depois de muito custo, consegui alcançar a esquina do ponto de ônibus. Só faltava atravessar. E antes de concluir o trajeto de uma calçada à outra, eis que meu querido ônibus passa, dando um tchauzinho e rindo da minha cara. Respiro fundo, mantenho a calma, e chego no ponto, dois segundos depois.
No tal ponto, além da chuva torrencial, me faziam companhia um casal num guarda-chuva colorido imeeenso e uma senhora cheia de sacolas. Pensei na sorte do casal e no azar da sacoleira, e achei que eu tava no limite dos dois. Só achei. Foi quando senti um pingo muito gelado escorrer do alto da cabeça até as minhas costas. Olhei pra cima e lá estava ele: um rasgo no meio da sombrinha, pequeno, mas grande o suficiente pra me molhar. Pingos que batiam nos lugares mais aleatórios da minha cabeça, e sempre escorriam. Meia hora depois, o ônibus finalmente chegou.
Entro no ônibus e abro a bolsa pra procurar a carteira. Cadê? Não estava lá. Sorte que eu guardo dinheiro em vários compartimentos separados, assim tinha dinheiro o suficiente pra pagar passagem e passar a noite. Mas não tinha nenhum documento. NENHUM. Ou seja, no documento = no show. Pensei até em descer do ônibus e voltar pra casa, buscar e esperar o próximo. Mas pensei melhor e é lógico que eu não ia fazer isso, senão eu não saía de casa mais. Aí deixei pra pensar nisso quando chegasse lá. Paguei a passagem e atravessei a roleta.
Só tinha um lugar livre: fundo do ônibus, entre a Djavan e uma mulher evangélica. Fui assim mesmo. A Djavan* exalava um perfume de cola+maconha, e a evangélica ficava me olhando.
Devidamente acomodada (e usando minha técnica de não respirar), comecei a pensar no que eu ia fazer com a minha carteira. Liguei pra minha mãe e, com todo o drama possível, contei pra ela a minha triste história.
- ... aí mãe, será que rola de você levar lá na savassi pra mim?
- Nossa Érica (who?) , mas eu tou indo pra missa agora!
- Tem problema não, você leva depois da missa.
Na hora que eu disse a palavra missa, a tal evangélica me olhou de cima a baixo, fez uma cara de horror, levantou na mesma hora e foi sentar num lugar que tinha vagado na frente. Não entendi a reação dela, mas achei melhor, pelo menos eu só ia ter que aturar uma.
No meio do trajeto (que não é grande, mas que na chuva fica infinito), passa pela roleta um ex-amigo indesejado. Enquanto eu repetia o mantra "não me veja, não me veja", peguei o celular e fingi que estava conversando com alguém. Sempre funciona. Ele não me viu e sentou bem antes. E o lugar do meu lado continuava lindo e vazio. Quando entrou um senhor e resolveu ocupá-lo. Nada contra o senhor, mas tudo contra a sua jaqueta que cheirava a mofo (alergia #27). Eu revesei os cheiros ruins mais uns 10 minutos, até que finalmente cheguei no meu destino. Algumas horas depois, minha mãe passou e me trouxe a identidade, que eu nem ia precisar, mas só viria a descobrir isso mais tarde.
Tudo isso pra assistir um show morno, desanimado e sem presença de palco. Gosto de Interpol e vou continuar gostando, mas por todas as regras quebradas, eu merecia um show melhor.
Apesar de tudo isso, foi um dia muito proveitoso. Bebi Heineken barata com o Laranja e o Tchelo e matei saudades. Depois Spawn e Muzzy passaram pra me pegar, encontramos o Binho e fomos pro show. De lá, pra casa do Rafão. Ri muito e aproveitei a noite inteira. Cheguei em casa 5h30, mortinha e com um sorriso no rosto. Mas o trajeto casa/savassi foi o inferno resumido em 40 minutos, o suficiente pra continuar acreditando nos meus princípios.
E é por isso que não adianta. Pode ser um jantar romântico com a pessoa da minha vida, a festa pela qual eu esperava há semanas ou qualquer coisa considerada importante. Choveu, eu não vou.
*Djavan é uma menina(?) MUITO feia que nós vimos um dia na parada rua e tivemos um grande trabalho pra descobrir se era homem ou mulher. Até hoje não tenho certeza.